O presidente Nicolás Maduro, em discurso para uma multidão, disse que a Venezuela está pronta para o projeto que estuda a criação de uma moeda comum entre os países da América do Sul, defendido pelos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e da Argentina, Alberto Fernández. O ditador fez a declaração no Palácio Miraflores, sede do governo venezuelano, depois de liderar uma marcha contra bloqueios e sanções econômicas internacionais.
“O presidente Lula da Silva e o presidente Alberto Fernández anunciaram que vão iniciar a criação de uma moeda comum na América do Sul. Eu anuncio que a Venezuela está preparada e apoiamos a iniciativa de criar uma moeda latino-americana e caribenha”, anunciou o presidente venezuelano, comemorando a iniciativa com a multidão.
A criação da moeda comum entre os países foi proposta na Argentina pelo presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e tem o objetivo de ser usada em transações comerciais, mantendo as moedas locais de cada País, evitando que as transações fossem feitas em dólar comercial. A moeda não seria usada pela população, nem entraria em circulação.
Os assuntos relacionados à moeda seriam tratados presencialmente entre Maduro, Lula e Fernández. O presidente da Venezuela, contudo, precisou cancelar sua ida à Argentina, planejada para a última segunda-feira (23), alegando comprometimento da segurança do chefe de Estado. Sem conseguir ir, o ditador discursou à distância e certificou o desejo de entrar na aliança.
Para Maduro, a moeda comum seria importante para contribuir com a “independência, união e libertação da América Latina e do Caribe”. Na análise de especialistas, por outro lado, a adoção do modelo econômico traz uma série de riscos para o Brasil.
Dependente
O consultor de comércio internacional, Guilherme Gomes de Barros de Souza, aponta que a moeda comum implicaria na criação de um banco central comum ao Mercosul e abriria precedentes do Brasil estar à mercê dos países para fazer movimentos econômicos.
“Todos os países do Mercosul estariam à mesma política monetária e o Brasil abre um precedente de ter que conversar com a Argentina, Paraguai e Uruguai para definir suas metas de juros e monetárias [por exemplo]”, explicou, em entrevista à Record TV.
Para o especialista em direito econômico e finanças, o advogado Fabiano Jantalia, o risco está no Brasil se tornar o “amparo econômico” das outras nações do Mercosul.
“Há o risco de [o Brasil] se tornar o grande amparo econômico das demais nações do Mercosul. Hoje já respondemos por grande parte do volume de negócios em comércio exterior firmados pelos países do bloco. É preciso considerar também que estamos em um estágio de gestão fiscal muito mais avançado e temos uma pauta de exportações que nos coloca como pouco dependentes dos demais países”, frisou.
O economista e consultor econômico da Allianz SE, o empresário egípcio-americano Mohamed El-Erian, também afirma que tanto o Brasil quanto a Argentina têm condições iniciais de seguir adiante com a ideia.
“Embora seja possível que isso leve a melhores resultados, está longe de ser provável. Nenhum dos dois países tem condições iniciais para fazer isso dar certo e atrair outros. O melhor que esta iniciativa pode esperar é que a conversa crie alguma cobertura política para as tão necessárias reformas econômicas”, escreveu, em uma publicação no Twitter.
While it's possible that this may lead to better outcomes, it's far from probable.
Neither country has the initial conditions to make this succeed and attract others.
The best this initiative can hope for is that talk creates some political cover for much-needed economic reforms. pic.twitter.com/MrjvI4LwhY— Mohamed A. El-Erian (@elerianm) January 22, 2023
Interesse
Na análise do professor, advogado e cientista político Carlos Barros, a criação de uma moeda comum na América do Sul significaria a renuncia do País à parte importante de sua soberania e poder político. “Caberia perguntar, o que o Brasil ganharia com a adoção de uma moeda única com outros países sul americanos, ainda mais considerando a situação econômica caótica destes países”, questionou.
Barros cita que um dos elementos constitutivos da soberania de um povo através do Estado é o poder de cunhar – emitir – moeda. “É a soberania monetária. Hoje, após o fim do padrão ouro, nos anos 1930, e com o fim do lastro em ouro para o dólar, em 1971, a moeda passa a ser estritamente fiduciária, ou seja, sem qualquer correspondência com um valor em metal. O valor é a própria aceitação geral. Esta aceitação geral decorre de lei ou algum regramento legal, e por isso dizemos que a moeda é de curso forçado, pois é por uma ordem que ela é aceita pelos agentes econômicos”, explicou.
Para o professor Carlos Barros, sem a soberania brasileira, quem ganharia com a criação da moeda comum seriam países como a Venezuela. “Isso explica a comemoração do ditador venezuelano Maduro que, por exemplo, com uma moeda única [comum] conseguiria driblar as sanções econômicas impostas pela comunidade internacional por conta das graves violações aos direitos humanos ocorridas naquele País”, afirmou especialista.
“O Brasil tem hoje uma inflação menor que a dos Estados Unidos, Alemanha e França. No fechamento das contas de 2022, vemos que após oito anos, o governo tem um superávit de R$ 54,1 bilhões. As contas foram negativas entre 2014 e 2021, tendo o ápice do deficit em 2020, pior ano da pandemia. O Brasil saiu bem da maior crise do mundo. Qual o sentido de atrelar-se economicamente às piores economias do continente?”, questionou.